E pronto, aconteceu...

Olhei para o relógio e liguei a televisão precisamente quando estava a começar o debate na Assembleia sobre o PEC 4. Os jornais da manhã já todos anunciavam a demissão do governo, e por tudo o que estava em jogo, e apesar dos afazeres não descolei os ouvidinhos da televisão, e de quando em vez, lá me levantava e chegava perto do ecrã, quando alguém mais efusivo dizia de sua justiça. 

Assisti à saída de Sócrates da assembleia da Republica logo após o discurso inicial do ministro das finanças, Teixeira dos Santos. Não foi bonito. Mas aquela imagem dele a descer a escadaria com o séquito de seguranças atrás disse mais que 1000 palavras. Disse o previsto, que estavam esgotadas todas as negociações. Ninguém queria chegar a acordo. Na verdade já todos sabiam o que Sócrates pretendia, e Sócrates sabia que todos iam dizer não. Saiu porque já tudo tinha sido dito e todos já sabiam o que ia acontecer, e realmente a saída não foi bonita, mas nem de longe nem de perto foi o que mais me chocou...

O que me chocou realmente foi o maior partido da oposição ser precisamente o único que não  se deu ao trabalho de, no projecto de resolução, apresentar uma única proposta! O maior partido da oposição que quer governar não tem nem alternativas nem dá soluções! Ora aqui está realmente uma coisa bonita e muito animadora... Limita-se a criticar e a dizer que está disposto a governar com o FMI. Pois claro! Assim parece-me fácil. O que eu gostaria de ouvir da oposição, tanto à esquerda como à direita, eram ideias e ideais cheios de força, cheios de vontade, construtivos, e a apresentar de forma séria caminhos alternativos, quando não se gosta de um! Mas não! Nadica de nada... é assistir a um rol de criticas e criticas a pensar muito no próprio umbigo e muito pouco no País.

Gostei particularmente da intervenção de Benardino Soares, do PCP, que depois da intervenção da deputada Ferreira Leite indaga - "a senhora diz que não lhe deram ouvidos, por isso estamos onde estamos? Por acaso a senhora que critica este governo é contra as privatizações que estão neste PEC, é contra a liberalização das rendas, é contra a diminuição dos ordenados na função pública??! Parece-me que não, aliás são muitas das medidas que sempre disse que se tinham que fazer. Parece-me que a ouviram e bem!" E rematou com uma piada cheia de piada, realmente, "sabe do que me lembro? Da história de uma banda que quando ia tocar uma música notou que já a tinham tocado antes, então o maestro resolveu a coisa da seguinte forma, tocamos a mesma música, mas desta vez com mais força!" Mais palavras para quê?!

As discussões seguiram-se e, partido a partido, fomos ouvindo um pingue pongue de acusações para acontecer o que se esperava. O PEC 4 foi chumbado. O nosso primeiro cumpriu o que disse, e apresentou a demissão a um presidente da República que tem assistido a tudo isto de camarote. E o País perdeu! Perdeu porque se já estamos em crise lá se vão gastar mais uns valentes milhões em comícios, em jantares, em bandeirolas, em autocolantes, em camionetas cheias de gente, etc, etc, para a campanha que se avizinha. Perdeu porque a bem dizer a Europa apoiava este PEC e com este descrédito no governo lá vão os juros da divida pública subir exponencialmente, again! Mas o pior de tudo é que perdeu, essencialmente, porque falta carácter, dignidade e ideias de mudança. A grande perda está ai, a política é cada vez mais um exercício umbiguista. Assiste-se a egos ávidos de poder e a pouco interesse pelo País. A grande perda é essa, a de ideais de mudança.

E pronto, aconteceu... o que se esperava. Agora haja paciência e vontade de acreditar.