domingo, 3 de abril de 2011

A matriarca felina

Disse-lhe ao telefone, "não se preocupe, não há problema nenhum em ir consigo", e diz-me ela do outro lado "é que não quero incomodar, nem quero que faltes ao trabalho por minha causa", retorqui "não me incomoda nada, sabe disso". A minha mãe contou-me que ela já tinha deixado cair uma lágrima quando lhe disse que decidimos ir de Lisboa levá-la ao hospital. Avó felina tinha um pequeno tumor no lábio, que a continuar lá, não traria nada de bom, e foi-lhe dito que tinha que o retirar, que seria uma cirurgia rápida, de ambulatório, que sairia na própria tarde, e que não haveria grande problema. Só lá tinha que estar às 15h, porque eram operadas mais pessoas, e era por ordem de chegada, porque o médico vinha de Lisboa e assim "despachava" logo uma série de pacientes numa tarde.
E 6ª feira sai de Lisboa de manhã cedo, para chegar a Monsanto da Beira, almoçar com a avó, e levá-la para o hospital. Fiz questão de ir a conduzir, e ela ao meu lado levava a mão agarrada ao cinto, num nervoso contido. No banco de trás mãe, tia e Manel, apertado no meio das duas (a imagem era qualquer coisa), falavam da vida. De repente paravam de conversar e perguntavam "está bem, não está?", e a avó "claro que estou" (com um ar de que se não lhe perguntassem tantas vezes a mesma coisa, se calhar estaria melhor). De vez em quando olhava de soslaio para ela e ela calada, via-se que apreensiva, pensativa, afinal de contas uma cirurgia por mais pequena que seja, é sempre uma cirurgia, e 84 anos sempre são 84 anos. 
Chegamos ao hospital antes da hora. Fiquei à entrada pois não a pude acompanhar até ao bloco. Também queria falar com o cirurgião e nada melhor que uma entrada vazia e a cumplicidade da senhora do guichet que, ao saber que vinha de Lisboa, me disse "mal vir o senhor doutor a entrar faço-lhe sinal para a menina saber quem é". E assim foi. Mal se deslumbrou no horizonte um homem de trinta e muitos anos, aloirado e com ar de seminarista, era ver a senhora a fazer-me sinais atrás do balcão. O Manel ria. Eu dirigi-me a ele, expliquei-lhe quem era e quais as minhas dúvidas. Ela num tom paternal, disse "sim, é um tumor, mas é localizado, é pequeno, e não deve haver grande problema. A cirurgia é rápida e quando acabar nós explicamos à avó os procedimentos a ter nos próximo dias. Não se preocupe." E com ar de quem tinha mais que fazer lá desapareceu ele no corredor. 
Fui para a sala de espera, vazia, (como os hospitais fora de Lisboa são tão diferentes!) e fiquei alegre quando vi a televisão ligada na RTP 1. Assisti, um a um, à entrada dos convidados com quem tinha passado a semana a falar, e aproveitei para enviar algumas mensagens à Mariana que estava a reggie com sugestões de pop ups para aparecerem, pois esta minha incapacidade para estar quieta é qualquer coisa...
Cinco da tarde e vislumbro a minha avó, a andar pelas próprias pernas, olho para ela e digo 
"como correu? Responde-me pronta "muito bem, foi num instante, e o médico foi uma simpatia", diz-me. 
O lábio inchado e cheio de pontos não me deixava indiferente e perguntei "isso deve doer-lhe um pouquinho, não?" Responde-me "nada de especial. Sabes onde temos que ir agora? Ver dos azulejos para a tua casa. Já que estás em Castelo Branco aproveitas a viagem que o carro não anda a água". Desatei-me a rir! 
Sabem o que é que faz isto? Suspeito que seja a herança de ter felino no nome. A minha matriarca felina é assim, verdadeiramente.

1 comentário:

marta lopes disse...

Bem... que máximo a tua avó! Que bem disposta e ainda cheia de vida pela frente!É um exemplo para todos nós :)
Um beijo grande minha felina querida!