quarta-feira, 10 de agosto de 2011

O mundo do avesso

Não sou capaz de ser indiferente às noticias, muitas vezes gostava, juro que gostava de ter daquelas capas emocionais que separam o que se ouve do que se sente, e não sofrer com a realidade que não se pode mudar. Mas é mais forte do que eu, e é-me difícil ficar indiferente ao que merodeia. É coisa para estar no ADN, provavelmente.
Hoje enquanto jantava, não bastava estar a seguir, impotente, há semanas a situação no Corno de África, onde já morreram 29 mil crianças de fome e continuam a morrer 100 por dia, para ver indignada, revoltada e ainda estupefacta (apesar de já ir no quinto dia) as imagens que chegam de Londres, Manchester, Birmingham, em que a violência gratuita e os saques tomam conta das ruas e os criminosos se regozijam por fazerem o que querem; para depois ainda vir outra notícia bem sopimpa.
Uma rapariga italiana, de 25 anos, chegada a Lisboa, é abordada por um homem de quarenta e tal que, supostamente, se oferece para a ajudar a encontrar o hotel, mas em vez disso leva-a para uma pensão, onde a mantêm em cativeiro e a espanca e viola, a seu belo prazer durante três dias. O resultado? Ela consegue fugir ao terceiro dia e identificar o estupor, que está em Portugal ilegal. Este vai a tribunal, e o que é que lhe acontece como sentença?! Liberdade. Repito, liberdade!! O  juiz apenas decretou  que tem que se apresentar de duas em duas semanas na esquadra.
Desculpem, será que adormeci e acordei noutro planeta?!!!!! Violação já não é crime? Espancamento também não? Estar ilegal não é problema? O que é isto, afinal? Pode fazer-se o que bem se entende que já não acontece nada?!
E pergunto eu, o que é que acontece a um juiz que comete o ato criminoso de deixar um tipo destes impune, e o põe de novo nas ruas de Lisboa um violador / predador sexual? Não acontece nada?!! Está a cima do bem e do mal?
Estava já farta, fartinha, de ouvir tanta porcaria no telejornal, que decido que o melhor é levantar-me da mesa. Estava já a fazê-lo quando os meus ouvidos escutam mais um pérola. Um filho da puta de um funcionário de uma freguesia em Torres Vedras, responsável por levar crianças à escola, também as violava. Foram várias com menos de 10 anos. Está em prisão domiciliária e parece que uma delas, das vitimas, é sobrinha neta. Então não é que os pais da menina fazem questão de ir visitar o tio a casa, e claro que fazem questão de levar a menina também, pois consideram que não há problema nenhum!! Pronto, foi a gota de água. Sai porta fora em direcção ao Ikea, que foi um mimo.
Ia no carro a pensar nestas realidades desconcertantes, a imaginar que a polícia em Londres devia agir à séria e enfiar balas de borracha com fartura, no lombo daqueles manfias; e se fosse coisa para não resultar, eu era menina para dizer ao Sr. Cameron para passar às verdadeiras. Não para matar, claro, para para atirar uma ou outra a um pézinho, a uma perninha ou a uma daquelas mãos que não se cansam de pilhar e incendiar simplesmente porque lhe apetece. 
Ia eu a pensar nisto quando vejo o Ikea a passar-me ao lado direito e a distanciar-se. Volto para trás a bufar e a pensar - hoje é só entrar, fazer a encomenda, porque já sei o que quero, e sair, não estou perder tempo. Dirijo-me è secção dos moveis e das camas e pergunto se está o B., que me atendeu a semana passada e me ajudou na escolha. Só a ideia de explicar tudo a outra pessoa novamente, já me estava a enervar. E chega B. sorridente, visivelmente de bem com a vida e com o mundo, porque enquanto dava o noticiário provavelmente ele trabalhava.
- Que bom vê-la de novo!
- Obrigada, trago o papel com as referências que me deu a semana passada pare ser mais fácil fazer a compra.
Sempre simpático, sempre pronto a ajudar, com uma enorme paciência e sempre com um sorriso genuíno, lá me ia dizendo o que tinha que fazer.
Chegou á parte em que tinha que carregar com o mibiliário todo para a caixa.
- B, acha que eu sozinha consigo encontrar e transportar isso tudo?! 
- Realmente, difícil não é, mas precisa de ajuda. Eu não posso, aliás não devo, mas claro que vou consigo.
E enquanto andavamos até chegar ao destino, dizia-me:
- Sabe é que não podemos ter  clientes preferenciais, diz-me a rir. Temos que tratar todos de forma igual.
Liga-lhe o chefe.
- Estou a ajudar aquela menina que comprou a mobília para a casa de férias. 
O chefe continuava.
- Sim, eu sei, mas já vou para cima.
Quando chegamos finalmente ao destino vejo já o chefe dele. 
- Que bonito, pensei, lixei o trabalho ao rapaz.
- Vim cá a baixo ajudar-te, diz o chefe, porque assim despachas-te mais depressa e a menina também. Seguiu-se um corre corre bem disposto, com os dois alegres por ajudar,  nos corredores.
Fiquei comovida pela espontaniedade, pela ajuda, pela alegria e pela boa disposição. Há pessoas que continuam a fazer de momentos simples, alegrias, e que são capazes também de ajudar, só porque sim. No final, fiz questão de escrever no livro, mas para fazer um enorme elogio. Ontem estes dois rapazes fizeram-me ver o tal bright side of life, de que os Monty Phyton falavam.

Sem comentários: