segunda-feira, 6 de junho de 2011

Uma manhã cheia de surpresas

A carta já me tinha chegado há duas semanas, e não havia dia que não me lembrasse da sua existência, até ter coragem de dizer hoje é o dia! O dia de ter coragem para passar uma boas horas na segurança social, à espera de ser atendida.
Lá fui em direção à praça de Londres e mal estaciono, tento ir pagar o parquímetro e a moeda não entra. “Porreiro, máquina estragada”.  Do outro lado do passeio vejo um rapaz com ar chateado a olhar para o carro com uma multa no vidro. Vira-se e o ar é-me familiar.
-      Fred?!
-       Olá, diz de imediato a rir-se, como estás?
-       Bem, e tu? Há quanto tempo...
-       É verdade, estive em Londres e cheguei à pouco tempo, novamente, a Lisboa.
-       Boa!
-       Agora moro aqui e como ainda não tenho cartão de morador, é a toda a hora multas de estacionamento.
-       Imagino...
-       Mas olha, passa das 10h, agora só por volta das 14h é que passam outra vez, podes ir à tua vida à vontade.
-       A sério?! Mas mesmo assim prefiro pagar, mas a máquina não dá.
-       Então deixa um papel a dizer isso e não te preocupes.
Assim fiz. Despedimo-nos e vi o Fred ir, meio ensonado, para o prédio. Trabalhou muito tempo no Sushi Lounge, em Santos, e sempre foi uma simpatia.
 Carro estacionado e lá vou eu para a seg. social á espera do pior. Tiro a senha e constato que tenho 31 pessoas à minha frente. Juro que ia a pensar numas 100, no minímo! Faço contas à vida e decido que me dá tempo para ir comer qualquer coisa, e dar uma vista de olhos na Zara que é mesmo ali ao lado. Estou na loja quando começo a ouvir gritos de várias pessoas. Corro para a rua e não percebo logo o que se passa.  Até que chego ao outro lado do passeio e vejo um tipo deitado no chão cheio de gente já à volta.
-       Dá a carteira á senhora, já! Dá a carteira à senhora. Gritava um homem.
-       Os seguranças da Zara chegam entretanto e parece que sabiam quem era o rapaz. Um freak com ar de agarrado que no chão dizia:
-       Já dei, já dei!
A rua estava já cheia de curiosos. Algumas senhoras acalmavam a senhora que tinha acabado de sofrer uma tentativa de assalto. E o tipo, que tinha levado apenas uns calduços ao de leve, levanta-se do chão, literalmente na boa, e começa a ir embora, sem que ninguém se importe muito com isso. E não me contenho e às tantas comento em voz alta.
-       Uma pessoa acaba de ser assaltada e deixam ir o homem assim, como se não tivesse sido nada?!! Já que foi apanhado e conseguiram detê-lo, ninguém se lembra de  chamar a polícia?!
    Ninguém me disse nada, porque, provavelmente, acharam que o que estava a dizer pouco ou nada teria resolvido. E o ladrãozeco lá ia Guerra Junqueiro a cima a dizer para os seguranças e provavelmente para os que o deitaram no chão:
-       Hei-de voltar com mais tempo, vão ver!
Com certeza! Tempo não lhe devia mesmo faltar. E o medo também não devia ter grande, a ver pelas poucas consequências que a sua ação teve.
No meio daquilo lembro-me do número da minha senha e lá vou eu, meio receosa. Entro e constato que faltam apenas dez números. Entre os que desistiram e os que não demoraram quase tempo nenhum, o tempo passou bem rápido. E tudo aquilo me intrigava. Como é que um serviço da seg. social é tão rápido quando para a minha senha só está uma pessoa a atender.
Chega a minha vez, e diz-me a rapariga.
-       Bom dia? Já preencheu o requerimento?
-       Bom dia! Sim!
-       Mas tenho algumas dúvidas...
-       Diga?
-       Quanto é que vai ficar a prestação?
-       Não sei, aqui não lhe posso fazer as contas.
-       Mas como deve entender é importante perceber quanto vou pagar.
-       Pois, depois vê quando a carta chegar.
-      Haaa! Quando a carta chegar?!...
      Sim! Vem lá tudo explicado.
-       E já agora, para regularizar a minha situação atual, já que a carta remete há uns meses atrás, como faço?
-       Não é aqui, nem comigo. É noutro departamento. Veja no Areeiro ou no Saldanha.
-       Bem! Isto de tirar dúvidas não está fácil...
-       Pois, aqui a minha única função é receber requerimentos para pagar, mais nada. Além disto, não sei muito mais, a sério.
-       Já percebi! E está explicado porque é que o atendimento é rápido, é que isso estava-me realmente a intrigar.
      A rapariga ri-se, dá-me o comprovativo e sente o seu dever cumprido.
Sai de lá a pensar no sucedido e quando cheguei ao carro, não havia multa. O Fred tinha razão. 
Em duas horas revejo uma cara que não via há anos, assisto a um assaltante que se pira sem problemas e a um departamento da seg. social que consegue ser rápido, mas que não tira dúvidas. Surpreendente.

Sem comentários: